segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Apenas dormir... - Luiza Sleeper Soon

Estava tão cansada aquele dia que mal conseguia raciocinar. Sabe aquele dia em que você não vê a hora de tomar um banho quente, comer alguma coisa gostosa, tendo somente uma música agradável ao fundo e aconchegar-se na cama quentinha e fofa até pegar no "sono dos justos"? Pois é, era esse o dia. Pensava tanto nisso que quase passei do ponto do ônibus sonhando acordada. Tudo o que eu queria é que ninguém falasse comigo, mesmo porque, quando eu fico cansada assim o raciocínio fica muito lento, e normalmente não falo coisa com coisa. Quando falo. Mas desde que me casei é muito difícil ter um dia desses, mesmo porque temos um trato de sempre compartilhar nosso dia, para não cairmos na rotina, e no fadado casamento "bovino" (Um casamento "bovino" é aquele o que se falam a língua bovina: _ Oi, tudo bem? _ Hum, hum!). Sempre falamos de tudo. Cheguei em casa e ele já estava lá. Quem sabe se eu somente der um beijinho rápido, correr pro quarto, arrumando minha roupas de dormir, ele note, como da última vez, que estou cansada e me deixa dormir sem muita conversa.
_ Oi amor. (Beijinho rápido.)
_ Oi, estava tão ansioso pela sua volta que nem consegui ver TV.
_ Oi, tô tão cansada... muito mesmo. (Puxa, nem acredito que consegui dizer tanto!)
_ Sabe..., bem..., estou guardando isso há algum tempo, mas de hoje não passa. Tenho pensado muito e... Acredita que não consegui mais entender o que ele estava falando? Pra mim não passava de um monte de barulho feito com a voz humana. Pelo menos a voz dele parece de locutor de rádio. Então parecia que o rádio estava ligado. E eu, totalmente desligada!
_ E aí? _ Hã? _Você não escutou o que eu falei?
("_ Me deixa terminar pra dormir logo, estou muito cansada, quase ficando irritada, por favor!")
_ Oi, eu estou falando com você, pode me responder?
Nossa! Estou mal mesmo! Pensei ter dito a ele a frase acima. Então tudo o que ele viu foram os gestos de desespero de quando eu passo a mão no rosto, a expressão típica de que não estou gostando. Ai, ai, ai, que situação! Mas se eu explicar tenho certeza que ele vai entender. Vou explicar melhor, enquanto arrumo minha roupa em cima da cama. Cadê a toalha? Ah! É mesmo, esqueci estendida no box. Cadê minha camiseta velha e gostosa? Puxa, nem consigo lembrar. Vejamos: Ontem eu peguei toda a roupa pra lavar... e pus na secadora... e não recolhi. Está na secadora! Tenho que buscar logo, antes que eu não consiga mais tomar banho! Achei! Está bem fofinha, que gostoso eu...
_ Luiza, estou falando com você e me deixou falando sozinho no quarto! O que você tem? Não, de novo não! Esqueci dele... E ele está com as mãos na cintura de quando fica irritado ou preocupado. Ai de mim! Hoje é dia! Vamos lá, pelo amor que tenho por minha cama! _ Vida, me desculpa, mas estou exausta, tenho que tomar banho rápido antes de desmaiar. Preciso dormir agora, nem consigo falar direito. Amor, faz assim, enquanto eu me arrumo você me fala.
_ Tá certo! Um sorrisinho cansado e recomecei o meu caminho. Ah! Finalmente posso sentir a água quente no meu rosto. Que delícia de água quentinha! Adoro quando a água molha meus cabelos e fica aquele barulhão na cabeça, e só ouço a água nos meus ouvidos e...
_ Luiza! Pelo menos tira a cabeça debaixo d'água pra me ouvir! Que pena, tava tão bom... Ai! Quero minha cama, amanhã tenho que terminar o relatório financeiro antes do meio dia, nem sei se vou conseguir estudar um pouco no almoço! As provas estão chegando e tem livros que nem consegui abrir. Nem limpei a casa essa semana, só consegui lembrar de jogar a roupa na máquina. Ainda bem que fizemos a compra da lava-louças senão a pia estaria um horror! _ ...pois a Márcia não me deu sossego. Enquanto ela não conseguir o que quer, não vai me deixar trabalhar em paz. Todo mundo está começando a comentar sobre nós dois. É incrível o que a adrenalina pode fazer pelo ser humano. Nunca antes acordei tão rápido em situação semelhante. Normalmente eu só balbucio. Milagre! É o que qualquer um poderia gritar ao ver a diferença que a adrenalina fazia na minha expressão e compreensão.
_ Como é que é? A Márcia o que? Ah não! Aquele olhar dele me matava! Lá estava ele e eu, por segundos que valeram dias, parados sem entendermos o que se passava. Eu confusa e cheia de ciúmes por não ter entendido o que a Márcia, minha amiga que trabalhava com ele, tinha a ver com o que... sei lá o que, e ele não acreditando que ficou tanto tempo falando com as paredes do banheiro! Puxa que situação!
_ Eu não acredito! E que ênfase pra dizer isso. Colocou as mãos na cintura e deu meia volta para o quarto. Parecia mais triste e magoado que estarrecido. _ Espera, do que é que você está falando? Que droga, magoei ele, sem a menor intenção! Ele nem respondeu. E agora, como é que arrumo isso? Ai de mim, que só queria dormir cedo! Parece que isso vai demorar. Desliguei o chuveiro e vesti o roupão. Ele não estava no quarto. Corri pra cozinha. Agora era a minha vez de falar! Ele estava falando da Márcia,... no escritório... Calma Luiza, vai devagar! Estou tão cansada que a adrenalina me faz...
_ Do que é que você estava falando? Você e a Márcia o quê? (Tom quase ameaçador) ... não ter controle do que falo. E lá se vão todos os meus anos de auto-terapia, maturidade conjugal e tudo aquilo que funciona muito bem no casamento dos outros, mas não quando é "o meu calo que aperta".
_ Foi só por isso que você me ouviu? Ciúmes da Márcia? Você? E que risada mais divertida ele deu. Parecia que ria de todo o meu esforço em ser compreensiva e madura no meio de tanto sono!
_ Michel, do que é que você está rindo? E a risada aumentou. E o meu ciúme também.
_ Dá pra explicar? E ele sentou na cadeira para rir melhor. Quase derrubou o copo d'água. _ Vamos ver se eu entendi: Você me deixa cerca de meia hora falando sozinho; eu te explicando algo que tem me tirado o sono, e você não entendeu nada? Que tal se EU for dormir e deixar VOCÊ acordada pensando? Hein? Se levantou e foi tomar banho! Como assim? Eu fiquei que nem boba na cozinha? Ah não!
_ Michel, volta aqui! Fala comigo... Ele tem razão. Não foi justo... Da última vez que isso aconteceu ele estava muito calado e me deixou ir dormir rápido... Peraí! É por isso que ele me deixou dormir daquela vez! Ele também não queria muita conversa! Estava preparando para me dizer algo. Quando foi isso? Semana passada, na quinta. Hei, amanhã faz uma semana. Estou tão cansada que fico vulnerável! Trocada, sentada na cama com a mão apoiando meu o rosto, e as lágrimas caindo sem o menor controle.
_ Acho que não agüento uma separação...
_ Falando sozinha? Falando bobagem. Chorando?!? Que é isso?
_ Há dias não conversamos direito. O tempo é do trabalho, faculdade, e quando você vem me falar "sei lá o que" da Márcia, não consigo ouvir... Já sentiu vergonha por chorar como criança? E ele? Ria da minha cara. Se divertia. Já sentiu como se toda a maturidade que você "garimpou" durante sua vida sumisse? Que vergonha! Ele me abraçou de joelhos! _ Eu estava te falando do novo projeto da Márcia, um RH com participação nos lucros. O nosso projeto lá na empresa é o nosso "bebê". Quando vi, nós dois estávamos chorando. Ele, é claro, de tanto rir. E eu, de tanta vergonha, ciúmes e cansaço, tudo misturado. Ainda bem que não tinha entendido a parte do bebê antes. Já pensou?

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